A espiritualidade do Nepal – by Nicole Franzoi

Sempre tive um encantamento por descobertas que mexam com minha forma de pensar. Tal curiosidade, aliada ao amor por viajar, me levam a ter preferência por países com culturas e hábitos singulares, diferentes ao que estamos acostumados por aqui, no lado ocidental. O Nepal, então, foi o destino escolhido em 2013. Minha mãe, por sua vez, adora uma aventura. Sempre quando chego com uma nova ideia de viagem, ela logo se insere nos meus planos. Aliás, depois de algumas milhas juntas, ela se tornou minha companheira oficial naqueles lugarejos que nem todos têm como primeira opção.

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Embarcamos, em fevereiro, para a viagem que, até agora, está em primeiro lugar no nosso ranking de experiências turísticas. A espiritualidade do pequeno país se expressa em todos os cantinhos de Katmandu, capital nepalesa. Pequenos grupos budistas nas ruas, recitando mantras, tocando tambores; címbalos e flautas, se misturam com manifestações hinduístas, repletas de incensos; flores e velas. Essa fusão faz do Nepal um lugar mágico e transformador para quem o visita.

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A combinação de flores e incensos– utilizados nos rituais hinduístas, junto às especiarias tradicionais nepalesas– vendidas por comerciantes nas ruas, faz com que Katmandu possua um cheiro doce. Tal característica nos impressionou desde o primeiro momento

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Nossa viagem começou pela Índia, país vizinho, onde a maior parte da população é hinduísta. Portanto, o hinduísmo já estava quase familiar aos nossos olhos. Porém, o Nepal nos guardava algumas surpresas. Por também fazer fronteira com o Tibete, é moradia e passagem de monges tibetanos. Assim sendo, a mistura de expressões religiosas tem grande força no Nepal. E é nessa integração que está a magia e singularidade nepalesa.

As montanhas de Katmandu emolduram, com perfeição, todo esse cenário. Já no avião, podemos apreciá-las por toda parte, lado esquerdo e direito, ninguém fica em desvantagem. A notícia que nos davam, antes mesmo de sairmos do Brasil, era de que o pouso na capital nepalesa se tornava muito difícil pela grande quantidade de montanhas que a cerca. Porém, quando vemos a imensidão rochosa, o medo dá lugar à contemplação. Dona Nadia e eu temos um trato: gostamos de sentar separadas para ouvir mais do que falar. E foi incrível dessa vez. Ao meu lado se sentou um beduíno do deserto, com seu cajado e pés descalços. E no corredor, um chinês, tranquilamente comendo bergamotas. As estranhas do ninho, definitivamente, naquela ocasião, éramos nós.

foto-5O visto para entrar no Nepal é feito na hora, no próprio aeroporto. O valor varia de acordo com o tempo de estadia no país. Mas não são preços absurdos. Para quinze dias, pagamos em torno de 25 dólares, cada uma. É importante já levar uma foto ¾ para a ficha, que é obrigatório preencher.

Nos hospedamos em um hotel de rede. Por ser um país com hábitos, comidas e cultura muito distintas, o aconselhável é ficar em um hotel que possamos encontrar um pão com queijo, por exemplo. No caso de estômagos mais sensíveis é uma boa opção para não se ter surpresas desagradáveis.

Diferente da Índia, que a cada ano se torna mais e mais cosmopolita, no Nepal a internet é lenta e paga. E nada de wifi em restaurantes. Por isso, e-mails de trabalho ou algo do gênero precisam ser deixados em casa. O que rege por lá, é o encontro com a espiritualidade e as boas experiências que vamos adquirindo.

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O Palácio de Bhaktapur, o mais antigo monumento nepalês, também considerado patrimônio da humanidade, está, hoje, destruído. Os terremotos que atingiram o Nepal, no início de 2015, além de milhares de feridos, causaram danos irreparáveis para a memória histórica do pequeno país
Bebês e meninas nepalesas, consideradas muito bonitas, têm os olhos pintados por suas mães. Segundo a tradição, a maquiagem afasta o mau agouro.
Bebês e meninas nepalesas, consideradas muito bonitas, têm os olhos pintados por suas mães. Segundo a tradição, a maquiagem afasta o mau agouro

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No primeiro dia, caminhamos sem pressa pelas ruas em direção à Durbar Square. Patrimônio mundial da UNESCO e ponto turístico bastante procurado, a praça é um complexo composto de vielas e templos hindus que está situada no centro de Katmandu. Por lá, pode-se contemplar construções e ritos hinduístas, comerciantes de flores; especiarias e incensos e o vai e vem das motos, principal meio de transporte do local. Apenas alguns templos ficam abertos à visitação. Importante dizer que quando for possível entrar, a observação dos detalhes é imprescindível. Talhados em madeira, deuses hindus se misturam com a história da fertilidade, conhecida por nós como kama sutra.foto-6

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foto-18 A praça mostra claramente como vivem os nepaleses. Suas roupas coloridas, devoção e simplicidade estavam nos encantando a cada esquina. Visitamos, também, algumas escolas. A alegria das crianças ao terem contato com estrangeiros é inesquecível. Entretanto, como em todos os lugares do mundo, observamos o desnível social. Apenas os pequenos com maiores possibilidades financeiras, ou seja, que frequentam as escolas particulares, falavam inglês.

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foto-13O ponto ápice desse dia chegou quando descobrimos o Palácio de Kumari, a deusa viva do Nepal. Kumari, no idioma nepalês, significa “virgem”. Há mais de 2.600 anos, acredita-se que a criança escolhida é a encarnação temporária de Taleju Bhawani, a mãe universal. Todavia, quando a menina chega a sua puberdade, perde o status de divindade, e logo é iniciado um tipo de ritual tântrico para eleger uma nova deusa viva, normalmente na faixa dos 3 ou 4 anos de idade. A escolhida, então, passa a viver isolada no Palácio de Kumari, sendo venerada como divindade pelo povo nepalês e tratada com luxo e regalias por seus serviçais. Contudo, ela não pode sair de sua morada nem mesmo para pegar um pouco de sol. Embora seja obrigatório ser uma criança budista, a deusa é adorada tanto por budistas quanto por hinduístas.

Para vê-la, é preciso aguardar em um grande pátio aberto, dentro do palácio. Não há um horário definido. Ficamos contando com a sorte para que ela se mostrasse enquanto ainda estivéssemos na Durbar Square. Esperamos em torno de meia hora e por apenas 5 segundos, ela apareceu, sozinha, em uma pequena janela no alto do palácio. É estritamente proibido tirar fotografias nesse momento.

No dia seguinte, fomos para a parte Buda da capital nepalesa. O Templo dos Macacos é procurado por budistas, e turistas, do mundo inteiro. Por lá, há regras claras que todos devem seguir. Como o próprio nome cita, os macacos estão por toda parte. São considerados sagrados, por isso, é proibido tocar ou alimentá-los. O lugar é tido como um templo budista e a Stupa de Swayambhunath, principal edificação do local, situa-se no centro dos 360o do complexo. Para chegarmos próximo à Stupa, na parte alta, é preciso fôlego para subir a colina.

Mas antes de subir, é impossível não ficar um bom tempo ajudando as rodas de orações budistas não cessarem seu movimento. É inacreditável. As rodas contornam toda a extensão circular do local. Todas giram, ao mesmo tempo, em um mover que parece estar coreografado. As pessoas, então, circundam o templo as rodando; cantando mantras e se entregando àquela espiritualidade. Acredita-se que, com o movimento circular, as boas energias de Buda chegam até nós. O respeito pelas regras é exercido por todos. Além de que, é uma delícia dar tantas voltas quanto tiver vontade.

Quando chegamos ao topo e, pudemos então, contemplar os grandes olhos de Buda, estampados nas quatro faces da Stupa, estávamos imbuídas de um silenciamento interior inexplicável em palavras. Segundo a filosofia, Buda está ilustrado apenas com os olhos, pois não julga os atos humanos, apenas os observa. O julgamento, então, cabe à consciência de cada um.foto-15

Do alto, podíamos ver todo o colorido das bandeirinhas budistas a se balançarem ao vento. Moradias de monges tibetanos também estão situadas nesse local. Passamos a tarde inteira no topo da colina, próximas aos olhos de Buda. Participamos de ritos budistas dentro de pequenos templos junto à grande Stupa. E claro, nesses momentos, calçados; fotos e vídeos foram completamente esquecidos por nós.foto-19O dia que seguiu, após a experiência no Templo dos Macacos, me pareceu um tipo de preparação para sobrevoar o Himalaia. A companhia aérea Buddha Air é quem leva os turistas para visitar a mais extensa cordilheira do mundo. Adquirimos as passagens com o concierge do hotel. Conforme as instruções, fomos até o aeroporto de Katmandu, onde pequenos grupos, no horário escolhido, são formados para o sobrevoo. A aeronave acomoda em torno de 15 passageiros.

Durante a subida, os comissários explicam as principais características de cada pico que, aos poucos, ficam mais aparentes em meio à névoa típica do Himalaia. O voo foi tranquilo, porém a agitação das pessoas na aeronave era pura ansiedade para chegarmos ao ponto mais alto do planeta. E quando finalmente o vimos, tudo silenciou. O Everest estava ali, bem pertinho dos nossos olhos, imponente. Nesse momento, o pequeno avião o contorna lentamente, para que ninguém perca de vista a expressão mais forte e grandiosa da natureza. A cabine do piloto é onde se tem uma visão privilegiada do Monte Everest. Assim sendo, um a um, vai até ela para tirar fotos e mais fotos.

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A zona rural que cerca Katmandu se faz, também, visita necessária. Parece que voltamos ao tempo devido à rusticidade dos povoados que habitam o lugarejo. De lá, podemos observar a cordilheira do Himalaia, dessa vez em uma visão terrestre, com mais nitidez do que qualquer outro ponto da capital. A alma nepalesa se expressa nessa zona que mistura o verde com o rochoso. As pessoas que vivem distantes das partes turísticas da capital, ainda guardam os milenares hábitos da cultura nepalesa.

Banho de uma moça nepalesa na zona rural,e mais rústica, de Katmandu
Banho de uma moça nepalesa na zona rural,e mais rústica, de Katmandu

foto-16Para quem busca uma viagem de auto-reflexão, que incite a espiritualidade e abra uma nova visão de mundo, o Nepal se torna um destino clássico. Por lá, a noite é feita para o descanso e o dia, para se contemplar a natureza e as mais distintas formas de conexão com o divino. Quanto à nós, voltamos com a certeza de que existe um mundo de descobertas, e que, nossa própria cultura e hábitos são apenas um pequeno fragmento de um todo. Afinal, a beleza do existir está no encontro, e respeito, pelas diferenças.

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by Nicole Franzoi

Nicole é jornalista, modelo e produtora. Adora ler sobre diferentes culturas. Tem vontade de cursar antropologia e não descarta nenhuma possibilidade de viajar.

 

 

 

 

2 Comentários

  1. Gostei muito de sua abordagem. Apesar de sua aparência ostentar um ar cosmopolita, bastante urbano, você soube extrair com suas palavras tudo o que pressinto e que deve ser esse interessante país, Que penso logo visitar, só. Tenho intuição que será um divisor de águas em minha vida, porém, pretendo subir as montanhas, lá onde predomina o budismo (aproximadamente apenas 5% da população é budista). Imerso que estamos neste “paraíso materialista”, num mar de consumismo onde o mundo submerge, penso que esta visita poderá ser um convite à reflexão diária.
    Um abraço, parabéns pela publicação.

    1. Oi, José. Desculpa a demora na resposta do seu comentário. Fico muito feliz que gostaste da matéria, foi escrita através das mais verdadeiras sensações. Tenho certeza que pra ti também será uma viagem encantadora e cheia de boas descobertas – lindas e transformadoras! Abraços, Nicole Franzoi.

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