Antártida em família – Dica Spice Up by Laís e Lívia Auler

O amor por viajar é nato da minha família. Eu e minha irmã acabamos herdando o lado aventureiro do nosso pai. Na nossa lista de lugares para conhecer sempre estiveram ambientes com poucos turistas, muita natureza e de difícil acesso. Porém, conhecer a Antártida era algo que nunca havíamos  imaginado. Por não sabermos da alternativa de turismo na região, esse item não estava em nossa lista. No momento que surgiu a oportunidade de ir a tal lugar, não pensamos duas vezes. Em poucos dias tomamos a decisão e nos preparamos para a aventura.

Em janeiro de 2010 nós (Laís, Lívia e o pai Rogério) fizemos a façanha de visitar o continente gelado. O recomendado, claro, é se programar com calma. Tivemos muita sorte em conseguir lugares para três pessoas. Passeios como kayaking e camping foram reservados com mais de dois anos de antecedência por alguns passageiros ainda mais corajosos e organizados. É preciso dizer que é um passeio caro e o ideal é se preparar antes, não recomendo viajar de repente sem o mínimo de programação.

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A nossa viagem ao sul começou dias antes de entrarmos no navio. Pegamos um voo de Porto Alegre para Buenos Aires. Da capital argentina tomamos outro avião rumo à Ushuaia (capital do departamento Tierra Del Fuego e conhecida como a “cidade mais austral do mundo”, ou então como “a cidade do fim do mundo”). A viagem foi mais longa que o esperado, não fazíamos ideia o quão ao sul estávamos indo. Lá a temperatura era baixa e já precisamos nos agasalhar, até porque havíamos deixado para trás um calor de quase 40ºC.

No dia 16 de janeiro embarcamos em um quebra gelo russo chamado Lybov Orlova. Era um navio relativamente pequeno, mas muito confortável. Dispunha de tudo, biblioteca, cozinha, refeitório, auditório, área externa para lazer; todos em tamanhos modestos, mas na medida certa para acomodar os 110 passageiros e os 114 tripulantes. A maioria dos turistas são americanos, canadenses e europeus. A língua “oficial” dentro do navio é o inglês.

A temporada ideal para realizar a expedição é de novembro a março, pois as temperaturas são mais amenas. Como a maioria dos passeios são para a Península Antártica, o frio não é muito intenso, se comparado ao continente. As temperaturas variam  de 0ºC a 5ºC. Porém, o vento é muito gelado e o clima é seco. Em alguns passeios a sensação térmica pode ser de temperaturas negativas.

 As refeições são realizadas no navio e estão inclusas no pacote. O café da manhã é uma mistura de estilo europeu com americano, sempre muito bem servido e com uma variedade de seleções. Para almoço e janta o cardápio tem entradas, três opções de pratos principais e sobremesa. A qualidade da comida é de impressionar. As mesas tinham seis cadeiras, para otimizar o espaço e promover maior interação entre os passageiros (tanto mesa quanto cadeiras são BEM fixados para não se mexerem em dias de mar agitado).

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Nossa primeira madrugada em alto mar foi bastante agitada. Naquela altura estávamos atravessando a Passagem de Drake, trecho entre a Terra do Fogo e a Península Antártida  que é conhecido por ter um mar turbulento, com ondas grandes e ventos fortes. O nosso sono foi interrompido pelo forte balanço da embarcação. Da janela via-se ora céu, ora mar. Esquecemos-nos de acionar as travas dos móveis e aquele vai e vem foi acompanhado pelo abrir e fechar de portas e gavetas dos armários. A travessia foi longa, mas com a assistência do médico da equipe os vários passageiros que estavam enjoados foram se recuperando ao longo do dia.

Geralmente os dois primeiros dias de viagem são ocupados pela travessia. Não existe um previsão fixa de duração para o trajeto em alto mar, tudo depende das condições climáticas. Para entreter os passageiros dentro do navio, a equipe oferece uma programação especial com palestras sobre o continente antártico, como informações sobre os animais, o solo e a história do local. Como a Antártida é um local de preservação ambientas, os navios de expedição possuem uma equipe formada por cientistas de diferentes áreas, como biologia, geologia, história, entre outras áreas, para instruírem e conscientizarem os passageiros a respeito da região.

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Nossa vista de dentro do navio

Nosso primeiro desembarque em solo antártico não estava programado. Na tarde do dia 18 de janeiro recebemos instruções para nossas saídas. Os tópicos tratados foram: comportamento em solo antártico, uso do colete salva vidas e a divisão do navio em quatro grupos, para facilitar a logística do desembarque nos Zodiacs (botes especiais que usávamos para passeios fora do navio). Ao irmos até o convés do navio, avistamos o nosso primeiro iceberg. Os barcos, os quais logo nos levariam para a ilha, passavam próximo dele e pareciam tão pequenos.

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Primeiro iceberg visto à noite

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A primeira expedição foi para Aitcho Island. Estava escuro, chuvoso. À noite normalmente não é assim. Quando não chove o céu está sempre claro, e a nossa visibilidade é muito boa (lá o sol se põe pelas 23h, ou até mais tarde). Desta vez, era difícil de enxergar muito longe. Para nossa surpresa os pinguins passavam próximo de nós. Eram mais fofos do que imaginávamos. Tinham uma cara simpática, e não estavam com medo da nossa presença. Caminhavam desengonçados, e caíam no chão. Nosso primeiro contato com os pinguins foi curto. Logo tivemos que ir. O tempo, que já estava chuvoso, piorou e a as gotas de água viraram gelo.

Pôr do sol, às 23h
Pôr do sol, às 23h

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Além dos inúmeros pinguins, durante toda a viagem vimos de perto diferentes espécies de aves (como albatrozes e gaivotas) e mamíferos (como focas, baleias e golfinhos). Os animais estavam desprotegidos e ficavam diante de nós. É recomendado manter uma distância de 5m, mas muitas vezes os pinguins passam pelo nosso lado. A equipe tem muito cuidado com a saúde dos animais, por isso usamos botas especiais fornecidas pelo navio, as quais são esterilizados no retorno de cada jornada.

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Para sairmos do navio e explorarmos o exterior com os botes, é preciso estar muito bem agasalhado. É aconselhável levar casaco e calça impermeáveis e corta vento (compramos tudo em Ushuaia, o preço foi bem razoável), pois são o que impedem o ar gelado entrar em contato com o seu corpo. Quando se usa a roupa certa o frio não atrapalha o passeio, mesmo quando se está chovendo.

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Nosso navio ancorado, onde a água é mais funda.
Botes infláveis aguardando o retorno dos passageiros
O caminho até as ilhas é feito em botes infláveis

Durante os nove dias de viagem, realizamos várias visitas em solo antártico. Por ser uma área de proteção ambiental, os passeios são sempre guiado pela equipe de cientistas e as trilhas são bem limitadas. Como é um ambiente totalmente natural, é preciso ter muito cuidado com onde se pisa. As pedras são lisas e as camadas de gelo são fundas. Há todo um cuidado com o local e os animais. O tempo de exploração é limitado, não podendo passar de mais de três horas. Cuidado em dobro é muito bem vindo. O clima não é constante e a segurança das saídas varia com a meteorologia.

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No sul do mundo conhecemos a região South Shetland Islands, na qual visitamos diferentes ilhas; nesta parte o solo não estava mais coberto por neve e é possível ver a formação rochosa da Antártida. Também não é muito frio (apenas quando chove), uma baía na Deception Island é o único lugar possível de se banhar no mar antártico (para os bem destemidos, diga-se de passagem, a temperatura da água é em torno de 6ºC).

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Na Península Antártica, ainda mais ao sul, realizamos diversos passeios. A paisagem era mais parecida com o que se imaginava da Antártida e as ilhas estavam cobertas de neve. O frio era mais intenso e realizamos diversos “cruzeiros” em meio a majestosos icebergs. Nossa única ida ao continente foi em Waterboat Point, na base chilena Presidente Gabriel González Videla.

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Base chilena, único local do continente antártico ao qual tivemos acesso

Às 8h e 30 min da segunda-feira do dia 26 de janeiro de 2010, desembarcamos já com saudades de tudo o que passamos, de todos que conhecemos, e das novas experiências vividas. O dia era caloroso, mas já sentíamos falta do frio e do balanço da embarcação. Deixamos para trás Lyubov Orlova, tristes pelo fim, mas com um sentimento de afeto que o tempo jamais vai eliminar. Tivemos consciência da importância da Antártida para o mundo, e para nós mesmos. Voltamos com a satisfação de ter vivido essa experiência ímpar em nossa vida. Um contato puro e vivo com um ambiente tão inóspito, uma natureza plena com animais tão singulares.

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Texto: Laís Auler

Fotos: Lívia Auler

Lívia e Laís são irmãs que compartilham a imensa paixão de explorar o mundo. São formadas em jornalismo, mas seus interesses principais são viagem, cultura e arte.

2 Comentários

  1. Minhas queridas filhas, LÍVIA E LAÍS, me emociona ao ler essa linda descrição de uma parte da
    grande aventura que foi essa nossa viagem. Beijos.

    1. Minhas queridas filhas, LÍVIA E LAÍS, me emociona ao ler essa linda descrição de uma parte da
      grande aventura que foi essa nossa viagem. Beijos.

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